domingo, 6 de maio de 2012

RIO +20 : a mudança político-cultural necessária






Planeta pode assegurar vida frugal, porém confortável para todos. Mas isso implica transformar radicalmente padrões de consumo da energia disponível
Por Ladislau Dowbor* | Imagem: Moczas Zoltan  


Sobre o tema: Esta é a primeira parte de um artigo* sobre as alternativas ao atual modo de produção e consumo (em especial, o de energia), no momento em que as sociedades se preparam para mais uma conferência internacional sobre o clima.

As alternativas de energia são vistas em geral do lado da oferta: as fontes de energia, como hidroelétrica, de combustíveis fósseis, nuclear, eólica, solar, geotérmica ou ainda que aproveita os movimentos do mar. O esforço planetário para reduzir os impactos climáticos e para poupar petróleo está levando – ainda que lentamente – a amplos investimentos na mudança do perfil da oferta, diversificando as fontes, priorizando as energias renováveis e limpas.O outro lado da moeda, no entanto, e complementar, reside nos esforços para influenciar o uso da energia. É interessante lembrar que quando das grandes crises mundiais do petróleo, em 1973 e 1979, os preços aumentaram de forma radical. Na época, houve estudos sobre a mudança de comportamento dos americanos, frente ao aumento do custo energético: fábricas aprenderam a economizar energia, casas passaram a utilizar material isolante para enfrentar o frio ou o calor, os carros começaram a ser vistos já não apenas do ponto de vista do luxo, mas da eficiência energética. Pelos excelentes resultados obtidos em curto espaço de tempo, se constatou que havia um imenso desperdício de energia. Assim a sustentabilidade energética exige trabalhar tanto no lado da oferta da energia como na racionalização do seu uso.No caso brasileiro, algo semelhante ocorreu quando do apagão no início da década passada. Foram adotadas medidas de emergência envolvendo uma ampla campanha de conscientização da população, os que reduziram o consumo se viram premiados nas suas contas, os que se excederam foram multados, mas no conjunto houve uma fortíssima redução de energia, sem que as pessoas se vissem obrigadas a se privar. Constataram simplesmente que estavam desperdiçando energia em quase todas as formas de uso, e que podiam reduzir fortemente o consumo de energia sem sacrifícios nem sofrimento: bastaria atentar para um uso inteligente do recurso.

No Brasil, à medida que a desigualdade recua, consumo de energia crescerá

– tanto para utilização direta, em equipamento doméstico e transportes,

como para a indústria e a agricultura

A população brasileira, da ordem de 200 milhões de pessoas, tem um nível de consumo muito desigual. À medida que a desigualdade se reduz e os pobres passam a consumir, o consumo energético do país deverá se expandir fortemente. Como ordem de grandeza, temos cerca de 50 milhões de pessoas que constituem o nosso “quarto mundo”, e certamente outro tanto de gente que deve passar a consumir decentemente, e em muitos casos atingir o nível de consumo mais amplo das classes mais abastadas. O consumo vai se expandir no conjunto, exigindo mais energia tanto para utilização direta sob forma de equipamento doméstico e de transportes, como para a indústria e a agricultura.A composição inteligente, mais eficiente e menos poluidora, da matriz energética pelo lado do consumo é portanto essencial. O Brasil, evidentemente, não está sozinho neste processo. O enriquecimento geral do planeta, que impacta diretamente no consumo de energia das pessoas e das empresas que as abastecem, não poderá, nem deveria, ser evitado. Somos 7 bilhões de habitantes no planeta, com os dois terços mais pobres consumindo menos de 10% dos bens e serviços produzidos. Mas a generalização do tipo de consumo perdulário dos Estados Unidos – 4% da população mundial e 25% das emissões de gazes de efeito de estufa – simplesmente não é viável. Isto é importante porque o Brasil será levado a participar, com o resto do mundo, de um amplo esforço de mudança do perfil de consumo. O eixo central não consiste na privação e no sacrifício, e sim na organização e na inteligência do uso.O uso da energia vincula-se praticamente a todas as nossas atividades. Portanto, trata-se de um desafio civilizatório, de uma mudança cultural. Até hoje, continuamos na corrida por consumir mais, pois isto aumenta o PIB, e gera mais empregos, reduzindo a nossa angústia principal que é de não podermos sustentar a nossa família. Com 7 bilhões de habitantes no planeta, e 80 milhões a mais a cada ano, esta visão é simplesmente suicida. Este planeta, constatamos cada vez mais, não é tão grande assim. Nesta espaçonave todos têm de começar a se comportar como tripulantes, e não como passageiros – isto sem falar dos que querem se comportar como passageiros de primeira classe, confortáveis e bem servidos, gerando um rastro de custos que nos oneram a todos.Uma ilustração simples, trazida pelo relatório das Nações Unidas, mostra de forma resumida a articulação que desponta. Na Coréia do Sul, frente aos desafios climáticos e à crise financeira mundial de 2008, decidiram lançar um programa de 36 bilhões de dólares para a modernização do transporte público urbano. As repercussões são várias: ao dinamizar o transporte público, torna-se mais eficiente a mobilidade urbana tanto em termos de tempo gasto pelas pessoas como pela redução da poluição; o programa gera 960 mil empregos, o que melhora a situação social; como os empregos geram salários e demanda, melhora a conjuntura e reduz-se o efeito da crise financeira; e como o investimento está condicionado a tecnologias mais avançadas nas empresas, ajuda o país a se manter em boa posição no plano do avanço científico-tecnológico que está se tornando estratégico. E naturalmente, reduz-se drasticamente o consumo de energia no transporte das pessoas. Não é sacrifício, é articulação inteligente.É natural que esta evolução do “consumir mais” para o “consumir melhor”, da corrida pela quantidade para a visão da qualidade, da análise individual dos projetos – interesse de uma montadora em vender mais carros – para o interesse social final, só comece a se materializar hoje, quando estamos sentindo a pressão das ameaças do fim do petróleo fácil, da mudança climática, do esgotamento de tantos recursos, da revolta dos dois terços da população mundial que sabem que estão sendo mantidos fora do sistema. O Banco Mundial explicita isto de maneira delicada, ao se referir aos 4 bilhões de pessoas que “não têm acesso aos benefícios da globalização”. Como diz bem Ignacy Sachs, somos condenados a reinventar. 
Milhares de novos automóveis matriculam-se diariamente

nas metrópoles. Não por necessidade, mas por massacre publicitário,

e sobretudo porque não há alternativa pública de transporte

O Brasil de urbanizou. Cerca de 85% da população vive em cidades, e cerca de um terço em grandes metrópoles, Mas mesmo nas cidades médias o problema do trânsito está se tornando crítico. Pesquisa da Rede Nossa São Paulo mostra que nesta cidade se perdem diariamente 2:43 horas por dia no trânsito, tempo em que as pessoas nem descansam nem trabalham, nem estão com a família. Levantam cada vez mais cedo para conseguir chegar a tempo, e a vida de família fica prejudicada. Quando têm carro, andam numa velocidade média de 14 quilómetros por hora, em primeira e segunda, com imenso gasto de combustível, deslocando 2 toneladas de equipamento por pessoa de 70 quilos. Um corredor de ônibus leva 23 mil pessoas por hora, na faixa de automóveis ao lado passam 3 mil no mesmo período. O gasto de combustível por pessoa/quilómetro é dezenas de vezes superior ao que seria se andassem de ônibus. Isto sem falar do transporte por metrô, incomparavelmente mais eficiente, usando energia limpa, e permitindo imensa economia de tempo da população.

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