sexta-feira, 29 de março de 2013

CULTURA DIGITAL, JANELA PARA A PÓS - MASSIFICAÇÃO



Pela primeira vez na história, é possível superar indivíduo e homem-massa, construindo o comum. Seria trágico desperdiçar tal oportunidade
Por Jéferson Assumção* | Imagem: Bansky
MAIS:
Este texto é o posfácio de Homem-massa: a filosofia de Ortega y Gasset e sua crítica à cultura massificada”, livro de Jéferson Assumção.
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Em 2020, o mundo deverá ter mais de 24 bilhões de dispositivos conectados em rede, como apontam pesquisas da empresa Machina Research, especializada no tema. Com isso, haverá uma média de três aparelhos conectados por pessoa, incluindo celulares, eletrodomésticos, tablets e até computadores. Eles poderão ser utilizados heteronomamente. Ou de modo um pouco mais autônomo. Se de maneira heterônoma, continuarão gerando massificação, mesmo que venha a ser um tipo customizado de massificação. Se de forma mais autônoma, poderemos ver a emergência de indivíduos-redes desmassificados?
Certamente que os atuais avanços da era digital podem, se bem aproveitados, gerar um ambiente menos favorável à homogeneização cultural e à vigência do comportamento do que Ortega chamou de homem-massa – este produto da técnica da era industrial que se desenvolveu na virada do século XIX para o século XX. Agora, em pleno século XXI, mais uma vez o desenvolvimento técnico vem trazer questões importantes para se pensar sobre como o ser humano se comporta em relação à tecnologia que ele mesmo desenvolve.
Diferentemente do homem-massa delineado por Ortega na década de 30 do século XX, os seres humanos atuais, do ponto de vista tecnológico, têm abundantes condições de viver numa multidimensionalidade da cultura. Há mais acesso à diversidade cultural e às condições de se fazer as recombinações de elementos, processos e visões de mundo, muito mais do que em qualquer outro momento da humanidade. Portanto, em se tratando de cultura, essa palavra cujo sentido em muito tem a ver com modos de fazer, de técnicas e interação de indivíduos entre si e destes com a natureza, uma cultura ligada ao ambiente digital não pode ser desconsiderada numa leitura mais plena de nosso tempo.
A cultura digital e seus rebatimentos estéticos (diversidade cultural e recombinações), éticos (ética do compartilhamento) e políticos (ação cidadã em rede, descentralizada e com menos mediação de estruturas verticais) são, em termos mais amplos, um importante tema de nuestro tiempo. Não se trata mais da perda da aura da arte na época de sua reprodutibilidade técnica – como assinalava Walter Benjamin – mas, devido à desmaterialização dos suportes ocorrida nas últimas décadas, trata-se da perda da aura da obra de arte na época de sua infinita reprodutibilidade técnica. Há mais condições de heterogeneidade, diversidade, inter e transculturalidade, portanto mais condições (e responsabilidades) dos sujeitos contemporâneos fazerem a si próprios.
Foram décadas de unidimensionalidade (O homem unidimensional, de Herbert Marcuse). Nelas, a sociedade industrial impunha quase que uma única dimensão da vida: uma racionalidade “tecnológica” (físico-matemática, para Ortega) de mão única. Ela dominava e oprimia por meio de aparatos de controle das consciências humanas, meios de entretenimento e comunicação de massa que hiperdimensionavam em todos a pulsão de vida (sexo, jogos, entretenimento) e a pulsão de morte (violência urbana e sensação de insegurança extrema). O resultado eram homens e mulheres autômatos, incapazes de se opor ao sistema, pois vivendo a mecânica do conformismo, dentro das benesses do conforto.
Agora, com as novas condições, não há também mais desculpas: o homem-massa, paciente e agente de sua condição de massa, invertebrado habitante do ambiente técnico-consumista do século XX, dominado pelo mercado, por partidos, sindicatos e estados ortopédicos, de cima para baixo, não tem mais a quem jogar a responsabilidade. Ele pode recuperar sua autenticidade, como em nenhum outro momento da Humanidade. A técnica do século XIX engendrava o homem-massa, dizia Ortega. A técnica do século XXI pode engendrar o pós-homem-massa. Se para os frankfurtianos e para a teoria crítica, o comportamento heterônomo era inculcado pela indústria cultural nas cabeças das pessoas, hoje este elemento se fragmenta. Desaparecem dia a dia os mediadores e as indústrias de fabricação de suportes materiais da arte e, de todo lado, movimentos de indivíduos em rede trazem as visões da periferia para o centro do debate sobre cultura. Com tudo isso, é possível dizer que estão dadas as condições técnicas para a superação tanto do homem massificado quanto do homem atomizado, fechado em si, solipsista, consumista individualizado e não participante de sua circunstância?
II.
Pós-homens-massa Aqui e ali já se notam as estratégias das empresas na internet para gerar comportamentos massivos através de ambientes pós-massivos. São espécies de homens- massa customizados, a parecerem indivíduos autônomos, mas no fundo não só seguem como aprofundam os padrões de consumo da era industrial. Um perigo é que, com as novas tecnologias de produção pós-industriais, a produção capitalista atual sabe que não precisa mais fazer nada em série, nem seres humanos em série. Hoje, trabalhando com a tática de criar – eles dizem “descobrir” – nichos de mercado, ela amplia seu poder ao fazer homens-massa customizados, com aparência de autônomos. As roupas e os cabelos parecem diferentes entre si, mas este tipo de homem-massa customizado segue o mesmo por dentro: inautêntico e diminuído ao elemento fundamental do consumidor, em vez de responsável por fazer sua própria vida. Mesmo no ambiente pós-massivo, este tipo massificado pelo mercado continua massa, pois segue sendo educado pelo mercado e pelos usos da sociedade desvitalizada pelo pragmatismo utilitarista, materialista e agora pela internet para se comportar como massa, invertebrada e vaga.
Em sentido contrário, nunca se teve tantas condições de se hackear, fazer truques, implantes, rachas no sistema. A articulação da cultura colaborativa digital com a economia solidária tem revelado um potencial gigantesco de revitalização cultural, em todo o mundo onde ela se desenvolve. Uma das razões é que ela é capaz de “destampar” culturas populares rurais, urbanas, suburbanas, antes invisibilizadas, por sua capacidade de descentralizar e multidirecionar os fluxos de informação e de recursos, antes unidirecionalmente ativados desde um centro industrial para o consumo de massas.

sexta-feira, 22 de março de 2013

CRÍTICA DA ÓPERA "LA CENERENTOLA" DE ROSSINI, TEMPORADA 2013, THEATRO SÃO PEDRO, SÃO PAULO, BRASIL

                                                             Por: Vicente de Percia                                  
                                                                 Enviado especial


"La Cerentola", -ossia La bontá in trionfo  é uma ópera bufa  

em 2 atos com música do compositor italiano Giachino 

Rossini e libreto de Jacopo Ferreti. É baseada no conto de 

fadas Cinderela, do escritor francês Charles Pearault . LA 

CENERENTOLA (A Cinderela) Dramma giocoso em dois atos


 de Gioachino Rossini Montagem comemorativa pelos 15


anos da reinauguração do Theatro São Pedro Emiliano 


Patarra direção musical e regência Dálete Alécio regente do


 coro, Davide Garattini direção cênica, concepção dos 


cenários, figurinos e iluminação Instituto Europeu de Design 


IED realização dos cenários, figurinos e iluminação Loriana


 Castellano mezzo-soprano (Angelina) Leonardo Ferrando 


tenor (Don Ramiro) Homero Velho barítono (DandiniBruno 


Praticò baixo (Don Magnifico) Carlos Eduardo Marcos baixo 


(AlidoroEdna D’Oliveira soprano (Clorinda) Ednéia de 


Oliveira mezzo-soprano (Tisbe* Elenco de cantores da


Academia de Ópera do Theatro São Pedro e convidados .



A temporada de 2013 começou mal com a direção cênica, concepção de cenários e figurinos de Davide Garanttini, Se a pretensão era de uma montagem de uma ópera bufa, tal não aconteceu. O que se viu foi algo de caricato, desigual e carnavalesco no pior sentido. Em muito reforçado pelos pretensiosos e fracos cenários e figurinos que se distanciavam de uma ópera baseada em uma história clássica conhecida nas suas pluralidades de abordagens literárias e musicais. Loriana Castellano,mezzo-soprano italiana, no personagem de Angelina passou tanto despercebida na sua interpretação quanto no seu registro vocal inseguro. A.suavidade, coloratura dos timbres estiveram ausentes, principalmente no II ato da obra, momento de melhor predicado e possibilidade de exibição para uma coloratura melodiosa. O 3º quadro (no salão do trono real) em nenhum momento foi perceptível a magnitude exigida por Rossini em relação ao seu personagem Angelina. Loriana Castellano  se manteve linear como desde o início da sua entrada em cena. Bruno Pratico no papel de Don Magnifico esteve perfeito, relutando com a deficiência dos seus pares, mostrou desenvoltura nos fraseados e no ritmo desejado, soube mostrar consistência ao seu personagem com interpretação e voz na medida certa, foi o melhor em cena. Leonardo Ferrando,tenor uruguaio, não convenceu como Don Ramiro seu timbre mão era condizente com  a obra de Rossini, sua interpretação foi acanhada e desigual, pecou por seu pequeno volume de voz e pela vivacidade exigida. Homero Velho, barítono brasileiro, como Dandini  revelou momentos expressivos, dotado de um belo timbre soube dar desenvoltura ao seu papelé bom interprete, expressivo, apesar de prejudicado por um personagem caricato.Marcou sua presença, em alguns momentos, se destacou, principalmente no I ato com seu personagem estrategista para o desenrolar da história,porém não conseguiu afirnar-se no desenrolar da ópera. Edna D' Oliveira, soprano, como Clorinda e Ednéia de Oliveira, mezzo-soprano no papel de Tisbe,  brasileiras são dotadas de qualidades vocais, bastante prejudicadas pela metamorfoses exigidas; "transformistas e uma comicidade desnecessária que imprimiram aos seus personagens e conseguentemente um desnível vocal com agudos totalmente fora do contexto da obra. .Os recitativos seccos são uma armadilhas rosiniana. assim como a sonoridade das vogais abertas em contraponto com as consoantes. Uma falha perceptível em alguns cantores dessa montagem. O coro como a orquestra foram corretos. Um belo programa distribuído aos presentes  não fez jus a uma encenação com tantos contra-pontos negativos, em várias situações ares amadorísticos de quem improvisa e não conhece a arte do Bel Canto.