quarta-feira, 2 de outubro de 2013

SOMOS TODOS PRECÁRIOS, PRINCIPALMENTE COM UM CAPITALISMO SELVAGEM

“Somos todos precários”, afirma Guy Standing ao final de seu estudo sobre essa nova realidade do trabalho, nascida do cruzamento do “proletariado” com o “precário”. Vivemos em um capitalismo do desejo, da informação, das marcas, do projeto, do dinheiro e das finanças virtuais. Neste capitalismo de projeto, o precariado é aquela pessoa aturdida, que gastou suas economias em um perfume propagandeado, mas que não obteve o sucesso social. Ao contrário do excluído tradicional, ele é convidado para a festa – mas batem-lhe a porta à cara. A condição essencial do precariado é a frustração. Ela pode transfornar-se em vontade política de mudança? Não é fácil. Hoje, o precariado opta mais pela teatralidade das protestos mais numerosos que as manifestações tradicionais esquerda ou direita – mas capazes, no máximo, de constranger o Estado, não de transformá-lo.
Já faz trinta anos que a direita expôs sua receita e a repetiu até convertê-la em um novo senso comum: desmontar o Estado, privatizar, desideologizar parlamentos e partidos, controlar a mídia, financiar fundações e universidades, combater os “excessos de democracia”, submeter o Sul por meio da dívida, aumentar a exploração da natureza e financiar a economia através do déficit público e eliminação dos limites à expansão financeira. A esquerda social-democrata abraçou o neoliberalismo sob a égide da “terceira via”. A esquerda não social-democrata se social-democratizou e começou a entoar o canto repetido do retorno ao Estado social perdido (que ontem criticava). A direita passou três décadas fazendo seus deveres. Já a esquerda, não. A precarização generalizada do trabalho não esteve ausente nessas décadas. Na verdade, ninguém moveu um dedo para evitar que isso acontecesse.
O precariado, diz Standing, é uma nova classe social em formação que, embora ainda não seja uma “classe para si” (quer dizer, que se reconhece e luta por seus próprios interesses), tem já uma série de características específicas que nos convidam a entendê-la como uma entidade que promete ação coletiva própria. O precariado vive uma flexibilidade laboral nem sempre desejada e uma constante sensação de levar uma vida de má qualidade. Não equivale nem aos proletários tradicionais nem às classes médias superexploradas. Tampouco uma “subclasse” ou “a camada inferior da classe trabalhadora”. Quer boa parte das garantias dos trabalhadores tradicionais, mas não uma vida profissional como a de seus pais ou avós. Suas incertezas e inseguranças são peculiares. Consumistas e carentes de memória, seus membros parecem elegantes aos olhos dos mais velhos – que eles enxergam como dinossauros privilegiados.
Embora os sindicatos não o compreendam direito, o precariado existe e tem suas próprias características, ainda que seja apenas porque lê sua realidade de forma diferente. São pessoas bem-formadas, às quais se prometeu (na escola, na faculdade, na televisão, na publicidade, no exemplo de quem teve sorte) um mundo divertido, confortável e criativo – que nunca chega. São aqueles que viram a escada pela qual subiam ser chutada pelos que vieram antes deles. Mas que ainda não parecem ter pressa (como teve a classe operária, desde o final do século XIX). São pessoas com certa rede familiar (que se sustenta cada vez mais nos avós, mas que também está se precarizando), com uma formação que lhes permite sonhar com um futuro profissional brilhante (ao contrário do ocorreria com um proletário tradicional, condenado a um realismo inclemente). São mulheres e jovens (em sociedades onde as mulheres estão lutando para conseguir um espaço de igualdade e diferença, e onde há um aumento da esperança de vida que prolonga a juventude até os quarenta). São receptivos às mensagens de rebeldia e inconformismo herdados de 68. São urbanos (resultado do êxodo do campo para a cidade a partir dos anos 60 do século XX) e, portanto, sujeitos à condição paradoxal de estar profundamente conectados às redes, ao mesmo tempo em que estão desconectados do mundo real.

Nenhum comentário: