terça-feira, 6 de agosto de 2013

MUDANÇA

Jovem pensador político italiano sustenta: declínio da representação reflete mudanças sociológicas profundas. Estado e partidos perderão seu monopólio. Mas que virá depois?
Por Christophe Ventura,Traduzido por Cristiana Martin
Desde 2011, diversos choques contestatórios percorrem o mundo em diferentes regiões: sul da Europa, mundo árabe, América do Norte – Canadá e Estados Unidos – Turquia, América do Sul e Ásia.
Além das especificidades de cada um, todos esses movimentos partilham de pontos comuns: eles se ampliam, rejeitam as políticas de austeridade, a corrupção e criticam os sistemas políticos e as ações (e até a falta delas) dos Estados.
Nesse contexto, os partidos políticos, principalmente os do governo (tanto os de direita como os de esquerda), são interpelados e vilipendiados – para não dizer jogados ao descrédito público. Esta “crise da política tradicional” ja foi largamente comentada e analisada.
É provavel que tenha atingido seu paroxismo na Itália, onde engendrou uma nova situação: aumento generalizado (sociológico e territorial) da abstenção eleitoral; desaparecimento, nesse contexto, da esquerda proveniente do movimento operário abaixo do limiar de credibilidade; erosão dos partidos do sistema; enrijecimento ideológico das direitas; escorregão neoliberal das forças social-democratas; emergência do movimento social/eleitoral anti-partidos tradicionais Movimento Cinco Estrelas – (M5S); multiplicação de movimentos sociais locais (contra projetos inúteis, por uma redefinição da democracia local, etc). [1]
Em uma obra não traduzida – Finale di partito [2] (Fim de Partido [3]) – o intelectual e cientista político italiano Marco Revelli se interroga a respeito destes fenômenos contemporâneos. Ele analisa, em particular, essa crise de confiança dos cidadãos nos partidos políticos.
Para ele, a forma partidária herdada da segunda revolução industrial casa harmoniosamente com a organização dos grandes sistemas de produção – as fábricas – “centralizados e burocratizados, mecanizados e padronizados, rígidos e rigorosamente territorializados, pensados pela programação e planejamento de um longo período”. Tratava-se então de operar na conscientização e na integração políticas de novas massas de trabalhadores recentemente passados do estado de multidões camponesas, linguísticas e culturais ao estado de classe operária. Essa tarefa necessitava, no contexto de emergência do capitalismo industrial, de uma referência de organização vertical, adaptada às estruturas econômicas e sociais e baseada no princípio de delegação e de representação. Tratava-se de organizar a luta no seio das unidades de produção que engendravam as relações de produção territorializadas. Assim, “o partido de massa era (..) o microcosmo no qual se refletia o microcosmo social paralelo (…). Ele era destinado a refletir, no espaço parlamentar, o jogo conflituoso (e de negociação) entre os grupos sociais unidos” e a oligarquia. Neste contexto, o “representante” beneficiava da confiança do “representado”, com quem ele partilhava a proximidade territorial e, por vezes, o espaço de trabalho. Assim, a “máquina política” respondia à máquina capitalista.
O partido inspirava-se igualmente, por sua organização, no modelo de Estado e de administração que ele ambicionava conquistar.
O fim do modelo fordista de produção, a internacionalização e a segmentação de cadeias produtivas, o “livre” comércio, a financeirização da economia capitalista, a emergência da economia desmaterializada e de serviços foram, segundo o autor, o início de uma desestruturação progressiva e irreversível dos modos de organização do trabalho e de modelos de classes.
A erosão da homogeneidade sociológica e da classe de trabalhadores e o aumento do nível educacional tinham gerado a aparição da “política líquida” [4], espelho e produto da diversificação de fluxos econômicos e sociais na esfera política. Nós assistimos assim à uma “liquefação do corpo eleitoral” vindo da fragmentação de “pertencimentos sociais estáveis”. Para Marco Revelli, “o partido político ‘clássico’ (…) era a forma mais adaptada para responder à uma demanda social tipicamente “materializada” (…) de eleitores mecanicamente agregados em grupos relativamente homogêneos de populações largamente definidas por seus papéis produtivos respectivos e caracterizados por um nível médio ou baixo de escolaridade. Tratava-se da forma própria de representação na modernidade industrial”.
Agora, a família de trabalhadores é múltipla e as novas gerações vindas dos anos 1970, 1980 e 1990 têm características sociopolíticas diferentes. Não são mais os trabalhadores manuais orientados pelas grandes organizações sindicais e políticas que pesam na dinâmica das relações sociais, mas os estudantes, os técnicos, trabalhadores intelectuais mobilizados na economia dos serviços (setor terciário), o telemarketing, etc. Esses formam os novos batalhões de classes média-baixas urbanas e precárias que têm acesso aos ganhos públicos e ao emprego, mas de maneira intermitente.

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