domingo, 26 de julho de 2015

A 56ª BIENAL DE VENEZA DE OKWUI ENWEZOR É SOMBRIA, TRISTE E FEIA


BENJAMIN GENOCCHIO


2015-05-13




Okwui Enwezor comprometeu-se a re-imaginar a Bienal de Veneza e a exposição que criou, dividida entre o Arsenale e o pavilhão italiano no Giardini, prova que é um homem de palavra. Concebeu o que só pode ser descrito como a bienal mais sombria, triste e feia de que há memória; uma mostra que, em nome da acção global e da mudança social, massacra o visitante com teoria política, em vez de nos dar os prazeres e a estimulação da grande arte. A sua visão do mundo é desolada, irada e deprimente.


A Bienal tem 120 anos de idade e se ainda tem valor como exposição está no facto dela oferecer, numa plataforma influente, perspectivas sucessivas e muitas vezes conflituosas sobre a prática artística contemporânea e a sua relevância para o mundo em que vivemos. Podemos não concordar com a visão de Enwezor da arte e do seu papel utópico no mundo de hoje - eu certamente não concordo - mas não há como negar que o mundo hoje enfrenta divisões e crises profundas e um futuro incerto. Vale a pena explorar como é que essas forças têm impacto nos artistas, eu concordo.
Temos que admirar a sua perspectiva, pois esta é, possivelmente, a exposição da Bienal curatorialmente mais rigorosa que eu já vi em 20 anos que venho aqui. O Dogma impera numa mostra que é muito bem desprovida de beleza, aspiração, ironia ou diversão. Há também uma atenção para com a arte que está a mostrar ou a lidar com a violência, que para mim é profundamente perturbador. A suas preocupações pessoais são igualmente frontais e centradas: usa a sua autoridade como o primeiro curador da Bienal de ascendência africana para validar artistas da periferia do mundo, da África especialmente, reunindo 136 artistas de 53 países, 89 deles estão 
Enwezor, de origem nigeriana, é conhecido pelas suas preocupações com a diversidade geográfica e por uma firme abordagem anticapitalista à arte. Mas as suas obsessões curatoriais alimentam dúvidas persistentes sobre a legitimidade do tema geral da exposição, "Todos os futuros do mundo" (que, aliás, soa como o título sem sentido de um filme de James Bond) e a relevância do tipo de arte que ele pretende promover. Todos sabemos que o mercado é uma força na produção da arte contemporânea e ignorar as implicações mais amplas deste facto sobre a arte parece, digamos, inútil, perverso e ingénuo.
Enwezor inteligentemente procura explorar o descontentamento generalizado do mundo da arte em relação à ordem actual das coisas. As pessoas não estão satisfeitas com o sistema da arte e com a forma como este perpetua uma desigualdade de oportunidades real e destructiva de muitas maneiras. A sua resposta mais controversa a este problema é ter um artista-arquiteto célebre, David Adjaye, a construir um palco no pavilhão italiano e, em seguida, convidar artistas para comissionar leituras de vários textos políticos; Por exemplo, a contribuição de Isaac Julien é uma leitura de todos os quatro volumes da obra de 1867 Das Kapital, de Karl Marx. É um golpe político pateta na fronteira do kitsch, dado que o texto de Marx tem relevância limitada para a arte ou para a vida em 2015, ou para um evento elitista do mundo da arte como a Bienal de Veneza. O gesto provocou uma resposta imediata de artistas que colaram panfletos de protesto sarcásticos em torno da mostra. Os panfletos gozavam com Okwui e Karl Marx, perguntando o que estes dois têm em comum no contexto de uma exposição de arte internacional.
O debate sobre a fetichização do objeto como mercadoria encontrado nas páginas de Das Kapital já acabou, foi embora, pois hoje a nova mercadoria no nosso meio é a informação e a questão central que enfrentamos é como a podemos avaliar e comercializar. O objeto em si tem menos valor e identidade nos dias de hoje; é mais acerca do evento, especialmente para a arte. Teria sido mais relevante ler, digamos, a posição de Thomas Piketty sobre os padrões sociais e políticas que sustentam a actual desigualdade económica (uma ideia que me foi sugerida pelo curador Gianni Jetzer) ou qualquer quantidade de livros lidando com uma dissolução de uma distinção entre informação e conhecimento.

ROMANCE DOLORIDO: ‘A IMAGINÁRIA’, LIVRO DE ADALGISA NERY, É RELANÇADO 35 ANOS DEPOIS




Na obra da brasileira escritora, jornalista e política narra seu casamento perturbador com o pintor Ismael Nery
A mãe morre quando ela é menina. Aos 8 anos, vai para um internato. O pai casa-se novamente, com uma italiana irascível. Aos 14 anos, apaixona-se por um homem seis anos mais velho, “de sensibilidade aguçada”. Casa-se aos 15, e muda-se para a casa da família do marido, um trio de mulheres alucinadas, em que se destaca a mãe beata com delírios persecutórios. Sua residência, mais tarde, é frequentada por intelectuais e artistas — de cujas animadas conversas, apesar de inteligente e curiosa, é alijada. Diagnosticado com tuberculose, o marido confessa ter um caso e, entre outras atitudes impiedosas, pede-lhe que procure a amante em seu nome. Jovem viúva com filhos pequenos, foge das sandices da sogra mudando-se para uma pensão, e sai à cata de emprego. É assim, entre episódios de mesquinharia, crueldade e loucura, que transcorre a vida de Berenice, narradora do romance “A imaginária”, de Adalgisa Nery. Assim transcorreu a vida da própria Adalgisa, contada neste livro de autoficção que chega às livrarias depois de 35 anos fora de catálogo, desde a morte da autora. Uma escritora dividida entre mundos com um talento forte e aprisionada com o primeiro marido o artista plástico Ismael Nery.

RECEITAS E A ANTROFAGIA


Antropofagia, Montaigne e uma receita especial


Como filósofo francês enxergou o canibalismo dos tupinambás – e de que modo este choque cultural inspirou um caldinho original, cuja receita oferecemos
Poucas ideias foram tão fecundas em galvanizar a identidade brasileira quanto aquela que está no centro do Manifesto Antropófago, publicado por Oswald de Andrade em 1928, no primeiro número da Revista de Antropofagia. “Só a Antropofagia nos une!”, bradou o poeta, e assim cunhava o termo, saudando a um só tempo a ancestralidade e o devir da cultura nacional.
Falava da “devoração” cultural do outro, tendo como símbolo a devoração “literal” praticada por alguns povos indígenas nativos das terras que vieram a se tornar o Brasil. Ou seja: apropriar-se do outro nunca nos fez menos “brasileiros”, ao contrário, essa flexibilidade e capacidade de diálogo é que nos faria o que somos. Ao menos assim seria neste utópico mito de origem modernista.
A nação mestiça brasileira ganhava um ato de fundação: nada de levantes políticos ou militares, mas sim a “Deglutição do Bispo Sardinha”, o primeiro europeu a entrar oficialmente no cardápio dos índios brasileiros, no caso, da etnia caeté. O fato, que ocorreu em 1556, foi usado para difundir a fama de “barbárie” dos povos nativos da América.
Mais ou menos nessa época, meados do século XVI, o filósofo francês Montaigne tratou do Novo Mundo, principalmente as terras ocupadas pelos seus compatriotas, onde hoje é o Rio de Janeiro. Contestando a pecha de “novos bárbaros” que recaía sobre os índios dos quais teve notícia (provavelmente os tupinambás), Montaigne escreveu o ensaio “Dos canibais”, abordando o tema que causava espanto na Europa. A partir de relatos, Montaigne se impressionou com o profundo respeito com que os índios tupinambás devoravam os seus inimigos capturados na guerra – talvez, pensava ele, com o intuito de absorver-lhes a coragem e a força. Aliás, segundo o francês, os próprios capturados não tentavam escapar, pois isso representaria algo como uma confissão de covardia. E ele via nisso um contraste com o jeito europeu de tratar seus prisioneiros e, também, de querer sobreviver a qualquer custo, mesmo que isso representasse a desonra.
Aproveitando o mote, e em retribuição à homenagem de Montaigne, oferecemos aqui a oportunidade de devorar e saborear um clássico francês. É a Vichyssoise Tupiniquim. A principal diferença em relação ao tradicional caldinho francês é que a batata é substituída pela mandioca.
A receita é de Raphaela Homem de Melo, chef da OCA Tupiniquim. Ela incluiu a dica de preparar em casa um caldo de legumes natural e, também, de finalizar com uma maravilhosa chantilly de noz moscada.
Aproveite e depois nos conte como ficou!
Vichyssoise Tupiniquim
Ingredientes:
500 g de mandioca sem casca
4 talos de alho-porro cortado em rodelas
3 colheres de sopa de manteiga
Sal a gosto
Pimenta branca moída a gosto
Caldo de legumes natural

Para o caldo de legumes natural:
2 litros de água
1 cenoura descascada e cortada ao meio
1 cebola inteira descascada e cortada ao meio
As folhas do alho-porro que restaram dos talos

Preparo: despeje todos os ingredientes na água e colocar para ferver. Depois que levantar fervura, deixe cerca de 15 minutos, até que este caldo fique bem saboroso. Coe e reserve para cozinhar a mandioca.
Modo de preparo:
Murche as rodelas de alho-porro na manteiga. Acrescente a mandioca, o sal, a pimenta e o caldo de legumes. Deixe cozinha até que a mandioca esteja bem macia. Processe tudo em um liquidificador e coe. Sirva bem quentinho.
Sugestão: finalize o caldo com chantilly de noz moscada