quarta-feira, 28 de novembro de 2012

ENTREVISTA COM MANUEL CASTELLS


Culturas econômicas alternativas teriam sido reforçadas pela crise. Mas sociólogo adverte: sistema não entrará em colapso por si mesmo
Entrevista a Paul Mason | Tradução: Gabriela Leite | Imagem: Binho Ribeiro
O professor Manuel Castells é um dos sociólogos mais citados no mundo. Em 1990, quando os mais tecnologicamente integrados de nós ainda lutavam para conseguir conectar seus modens, o acadêmico espanhol já documentava o surgimento da Sociedade em Rede e estudava a interação entre o uso da internet, a contracultura, movimentos de protesto urbanos e a identidade pessoal.Paul Mason, editor de notícias econômicas da rádio BBC, entrevistou o professor Castells na London School of Economics (Escola de Economia de Londres) sobre seu último livro, “Aftermath: The Cultures of Economic Crisis” (“Resultado: as Culturas da Crise Econômica”), ainda sem tradução para português.Castells sugere que talvez estejamos prestes a ver o surgimento de um novo tipo de economia. Os novos estilos de viver dão sentido à existência, mas a mudança tem também um segundo motor: consumidores que não têm dinheiro para consumir.São práticas econômicas não motivadas pelo lucro, tais como o escambo, as moedas sociais, as cooperativas, as redes de agricultura e de ajuda mútua, com serviços gratuitos – tudo isso já existe e está se expandindo ao redor do mundo, diz ele. Se as instituições políticas vão se abrir para as mudanças que acontecem na sociedade – é cedo para saber. Seguem trechos da conversa.
O que é surgimento de novas culturas econômicas?
Quando menciono essa Cultura Econômica Alternativa, é uma combinação de duas coisas. Várias pessoas têm feito isso já há algum tempo, porque não concordam com a falta de sentido em suas vidas. Agora, há algo mais — é a legião de consumidores que não podem consumir. Como não consomem — por não terem dinheiro, nem crédito, nem nada — tentam dar sentido a suas vidas fazendo alguma coisa diferente. Portanto, é por causa das necessidades e valores — as duas coisas juntas — que isso está se expandindo.
Você escreveu que as economias são culturais. Pode falar mais sobre isso?
Se queremos trabalhar para ganhar dinheiro, para consumir, é porque acreditamos que comprando um carro novo ou uma nova televisão, ou um apartamento melhor, seremos mais felizes. Isso é uma forma de cultura. As pessoas estão revertendo essa noção. Pelo contrário: o que é importante em suas vidas não pode ser comprado, na maioria dos casos. Mas elas não têm mais escolha porque já foram capturadas pelo sistema. O que acontece quando a máquina não funciona mais? As pessoas dizem “bem, eu sou mesmo burro. Estou o tempo todo correndo atrás de coisa nenhuma”.

Qual a importância dessa mudança cultural?
É fundamental, porque desencadeia uma crise de confiança nos dois maiores poderes do mundo: o sistema político e o financeiro. As pessoas não confiam mais no lugar onde depositam seu dinheiro, e não acreditam mais naqueles a quem delegam seu voto. É uma crise dramática de confiança – e se não há confiança, não há sociedade. O que nós não vamos ver é o colapso econômico per se, porque as sociedades não conseguem existir em um vácuo social. Se as instituições econômicas e financeiras não funcionam, as relações de poder produzem transformações favoráveis ao sistema financeiro, de forma que ele não entre em colapso. As pessoas é que entram em colapso em seu lugar.
A ideia é que os bancos vão ficar bem, nós não. Aí está a mudança cultural. E grande: uma completa descrença nas instituições políticas e financeiras. Algumas pessoas já começam a viver de modo diferente, conforme conseguem – ou porque desejam outras formas de vida, ou porque não têm escolha. Estou me referindo ao que observei em um dos meus últimos estudos sobre pessoas que decidiram não esperar pela revolução para começar a viver de outra maneira – o que resulta na expansão do que eu chamo de “práticas não-capitalistas”.
São práticas econômicas, mas que não são motivadas pelo lucro – redes de escambo, moedas sociais, cooperativas, autogestão, redes de agricultura, ajuda mútua, simplesmente pela vontade de estar junto, redes de serviços gratuitos para os outros, na expectativa de que outros também proverão você. Tudo isso existe e está se expandindo ao redor do mundo.
Na Catalunha, 97% das pessoas que você pesquisou estavam engajadas em atividades econômicas não-capitalistas.
Bem, estão entre 30-40 mil os que são engajados quase completamente em modos alternativos de vida. Eu distinguo pessoas que organizam a vida conscientemente através de valores alternativos de pessoas que têm vida normal, mas que têm costumes que podem ser vistos como diferentes, em muitos aspectos. Por exemplo, durante a crise, um terço das famílias de Barcelona emprestaram dinheiro, sem juros, para pessoas que não são de sua família.

O que é a Sociedade em Rede?
É uma sociedade em que as atividades principais nas quais as pessoas estão engajadas são organizadas fundamentalmente em rede, ao invés de em estruturas verticais. O que faz a diferença são as tecnologias de rede. Uma coisa é estar constantemente interagindo com pessoas na velocidade da luz, outra é simplesmente ter uma rede de amigos e pessoas. Existe todo tipo de rede, mas a conexão entre todas elas – sejam os mercados financeiros, a política, a cultura, a mídia, as comunicações etc –, é nova por causa das tecnologias digitais.
Então, nós vivemos numa Sociedade em Rede. Podemos deixar de viver nela?
Podemos regredir a uma sociedade pré-eletricidade? Seria a mesma coisa. Não, não podemos. Apesar de agora muitas pessoas estarem dizendo “por que não começamos de novo?” É um grande movimento, conhecido como “decrescimento”. Algumas pessoas querem tentar novas formas de organização comunitária etc.
No entanto, o interessante é que, para as pessoas se organizarem e debaterem e se mobilizarem pelo decrescimento e o comunitarismo, elas têm que usar a internet. Não vivemos numa cultura de realidade virtual, mas de real virtualidade, porque nossa virtualidade – significando as redes da internet – é parte fundamental da nossa realidade. Todos os estudos mostram que as pessoas que são mais sociáveis na internet são também mais sociáveis pessoalmente.

domingo, 18 de novembro de 2012

A INTOLERÂNCIA DESAVERGONHADA: POR QUE A NOVA EXTREMA-DIREITA CRESCE?



  
Uma pesquisa realizada por Ana Paula Tostes, professora de Michigan State University, nos Estados Unidos, mapeou o crescimento de votos em partidos da nova extrema-direita em eleições nacionais em países membros da União Europeia. A tese da pesquisa é a de que consequências da política regional refletem na preferência do eleitor em eleições nacionais. Os votos nesses partidos na Europa ocidental estão fortemente associados ao fato de que esses partidos possuem uma agenda nacionalista forte, um posicionamento de resistência à expansão de direitos a imigrantes, à flexibilização de fronteiras e perda de soberania. Sendo assim, a pesquisadora argumenta que o "voto intolerante" em partidos políticos que suportam agendas não pluralistas não pode ser explicado apenas por motivações de política doméstica, como tem sido feito. A União Europeia e sua política de abertura de fronteiras e extensão de cidadania comum incomoda o eleitor da nova extrema-direita, inclusive quando ele vota em eleições locais. A nova ideologia de extrema-direita, que representa uma nova defesa de idéias autoritárias e de mudança de regras pluralistas e democráticas, tem procurado ganhar espaço e poder político dentro das próprias vias que a democracia oferece: pela representação. Enquanto a tradicional extrema-direita está relacionada ao fascismo, a nova extrema-direita representa uma nova clivagem política, fruto da "sociedade pós-industrial". O que torna curiosa esta nova ideologia de extrema-direita é que, defender a liberdade de imprensa, liberdade de opinião, bem como o fim da censura, faz parte da agenda deste grupo de preferências políticas e ideológicas que se contrap›e aos princípios democráticos de inclusão, pluralismo e diversidade. Em outras palavras, é por isso que assistimos as propagandas políticas de Le Pen, o mais tradicional e conhecido personagem desta tribo, defender fortemente o fim da censura. Os defensores da extrema direita querem defender a intolerância livremente.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

UMA ANÁLISE ACERCA DO HOMOSSEXUALISMO. A ARTE COMO FONTE E ELO DE COMPREENSÃO




Por que o cinema gay comercial está tão contaminado pelo amor romântico, com homens belos em tramas açucaradas?
 por Bruno Carmelo, editor do blog 
A situação anda complicada para o cinema gay nos cinemas recentemente. Por “cinema gay”, termo vago e contestável, entenda filmes que têm como foco central personagens homossexuais e/ou questões específicas aos indivíduos homossexuais. Em muitos casos, são filmes reservados ao gueto, que passam em cinemas específicos de grandes capitais.Nestes últimos anos, Verão em L.A.Shelter e Weekend passaram em circuito comercial, enquanto produções como The Love PatientDeixe a Luz Acesa e eCupidpassaram em festivais gays, ou sessões gays de festivais de cinema. Em comum, os filmes acima têm uma abordagem plenamente idealizada do amor e do próprio indivíduo homossexual: estas seis histórias tratam de amores românticos entre jovens gays, todos belos, musculosos, brancos, sedutores, de classe média alta.
Seus conflitos são ligados apenas ao amor, figura fantasmática (“ele me ama, mas não podemos ficar juntos porque somos diferentes”, ou “eu o amo, mas ele não quer compromisso sério”, ou ainda “eu o amo, mas ele não me quer”). O relacionamento torna-se uma finalidade em si, neste mundo-bolha de pessoas bonitas e disponíveis, onde as mulheres servem apenas como mães, irmãs ou amigas dos protagonistas – já que a grande maioria dos “filmes gays” retrata a homossexualidade masculina.No final, todos estes produtos parecem o mesmo, que seja em qualidade cinematográfica ou em discurso. É interessante que o espectador gay possa se identificar com estes amores utópicos, que parecem extraídos de propagandas de margarina ou páginas de revista de moda. Um exemplo foi particularmente surpreendente: Deixe a Luz Acesa, premiado em vários festivais e recebido com críticas muito favoráveis. A fórmula é a mesma dos demais, mas com elementos dramáticos: um dos amantes é viciado em drogas (nunca se vê este homem usando o que quer que seja), o outro teme estar infectado com o HIV (mas é só um susto).

Filmes gays, mórbida semelhança. Acima: Weekend, Verão em L.A. e The Love Patient. Abaixo: eCupid, Shelter e Deixe a Luz Acesa
Se estes atores fossem trocados por Reese Whitherspoon e Gerard Butler, ou Hugh Grant e Julia Roberts, teríamos uma comédia romântica heterossexual qualquer, dessas que os críticos adoram detestar. Mas por serem dois homens, ou ocasionalmente duas mulheres, a proposta parece “subversiva”, “alternativa”. Como as garotinhas que sonham com o astro da revista teen, os diretores e produtores (muitas vezes gays) do cinema gay acham que os homens comuns precisam é sonhar com os galãs das fotos acima.
O público acaba sendo infantilizado, reduzido ao desejo sexual primário – supõe-se que uma produção com um amor realista, vivido por pessoas comuns, não seja vendável no mercado. Não é questão aqui de solucionar a dúvida da oferta e da procura (são os gays que querem ver estes filmes, ou são estes os únicos filmes oferecidos aos gays?), mas simplesmente de dizer que este sistema se retro-alimenta. Ele não indica nenhuma tendência de se transformar, até porque são estes filmes idealizados que acabam sendo selecionados nos maiores festivais e recompensados pelos prêmios gays, como o Teddy.
Logicamente, nem todos os filmes seguem a estética publicitária do amor perfeito.Kaboom retratava de maneira despojada a plurissexualidade adolescente, Fucking Different XXX ousou mostrar o sexo sem pudores, e sem padrões, Tomboy explorou a identidade de gênero na infância, com grande naturalidade. Mas a razão pela qual falamos destas produções é justamente por constituírem exceções.Ora, chegou o momento de um verdadeiro debate ser feito nos festivais, e de os gays se manifestarem quanto ao conteúdo que consomem. Não basta o festival selecionar um filme pela simples temática, independentemente da qualidade que ela propõe. Em outras palavras, não basta um filme ser gay para ele ser interessante, ele precisa propor uma maneira diferente de retratar o amor, as pessoas. A comunidade homossexual não pode se limitar a copiar os códigos do amor idealizado heterossexual, ele precisa achar sua estética e sua cultura próprias.
Em novembro chega a São Paulo e ao Rio de Janeiro o Festival Mix Brasil, com mais de cem filmes sobre o gênero. Vamos torcer para os curadores terem selecionado, e que o público prestigie, apenas as produções que propõem um olhar diferente, questionador, provocador e reflexivo sobre a cultura gay. Vamos torcer para que os filmes parem de ser histórias conformistas e apolíticas, para um público alienado, querendo sonhar com o homem ideal e o relacionamento perfeito.

domingo, 4 de novembro de 2012

JEAN TARDIEU ET ANITA DE CARO








JEAN TARDIEU

Pour Béchir Ben Aissa
Jean Tardieu s’intéresse, à la fois, aux grands maîtres du passé et à ses contemporains, bien souvent ses amis comme Pol Bury, Jean Bazaine, Max Ernst ou Hans Hartung et dont il commente ou transpose les œuvres et avec lesquels il commet non seulement des livres, mais encore des œuvres d’un style plus inattendu comme la Rotonde du Palais Bourbon, réalisée avec Pierre Alechinsky. Si les tableaux ont été à la source de son écriture poétique, celle-ci, à son tour, est à l’origine d’œuvres plastiques qui lui répondent. L’œuvre effectuée dans ce domaine s’inscrit dans le sillage d’une démarche commune à nombre d’auteurs du XIXème et XX e siècle.
Si le nom du tableau qui inspire «les poèmes pour voir et revoir (Grandes pierres friables : sur un tableau d’Anita De Caro)» n’est pas mentionné, la relation intersémiotique devient, évidemment, plus complexe. C’est au lecteur d’aller explorer cette fois-ci l’œuvre d’Anita De Caro pour espérer tenir le fil ombilical. Et puis, le poème peut ne pas porter sur un seul tableau. Le poète a été en contact avec les artistes et les poètes associés à «la deuxième École de Paris» tels que Bazaine, Manessier, André Frènaud et Vieira da Silva qui a également fréquenté «l’Atelier 17». Le monde d’Anita de Caro est, semble-t-il, un monde gai. Ses «Villes», ses figures humaines, ses «cosmogonies» oscillent entre figuratif et abstrait. Elle a , en outre, effectué des recherches picturales sur le thème mallarméen : « Un coup de dé / jamais n’abolira le hasard » .Jean Tardieu caractérise l’œuvre d’Anita de Caro comme «la synthèse entre ce qui parle à son esprit et ce qui plaît à sa vision» . Le jeu «intersémiotique» est rarement duel mais s’élabore dans une optique intertextuelle, triangulaire ou, plurielle.
«Les passerelles de Babylone»(1969) est la réécriture poétique d’un texte sur la peinture de Vieira Da Silva écrit en 1960. C’est un tableau intitulé «Jardins suspendus» qui serait à l’origine de ce poème. Il faut rappeler qu’Edmond Jabès a également produit un texte à propos de ce même tableau.
Une dynamique «transtextuelle»,sollicitant les différents systèmes sémiotiques et mettant à l’épreuve les compétences culturelles du lecteur transforme ces œuvres implicitement ou explicitement citées en «passerelles de Babylone». Ainsi, chaque œuvre est une passerelle en soi, un lieu de transit vers l’autre, qui autorise à franchir portes et murailles et à s’affranchir de la pesanteur. Titre évocateur également des passerelles à établir entre la réalité visible, un peu trop visible, un peu trop connue, ou, supposée connue, et celle qui ,invisible, ne s’accommode ni des limites ,ni des abris, ni des portes fermées. La passerelle est enfin cet intervalle, spatial et temporel, situé sur le seuil, dans l’entre-deux, à l’extrémité des échafaudages, au-delà des saisons . Une passerelle est, dans le domaine de l'architecture, un passage en hauteur, ne touchant pas
le sol, entre deux bâtiments. Dans le poème de Tardieu, la passerelle est le support d’une traversée exemplaire, ascendante, spirituelle : «Qui donc, ayant franchi le haut portail et se tenant fasciné sur le seuil, /songerait à rentrer dans ses limites? Qui donc, /ayant dépassé l’éblouissement de l’origine, /(…)/songerait à revenir de ce coté-ci ?(…)/De haut, mais sans proie et sans haine, je contemple/(…) les Babylone qui nous viennent des limbes/.». Ce que semble décrire Tardieu est une élévation, un envol vers un lieu autre, « là ou rien n’arrête le regard,/au-dessus des ponts qui, un jour, viendront de tous les cotés,/remplacer l’obstacle et la séparation/par l’intervalle et par la rencontre. » . L’intervalle, le passage entre deux lieux, deux moments, deux figures, deux mots ; il est ce qui donne sens à l’association (musicale, picturale, poétique et autre). L'inconnu, l'obscur, le divin ou l'inconscient peuvent surgir ainsi au gré de quelque intervalle. Le propre de l’intervalle, c’est sa transitivité. Pour Tardieu, l’intervalle mène à la rencontre. La tour de Babel ou de Babylone était, selon «La Genèse (11: 1-9)», une tour que souhaitaient construire les hommes pour atteindre le ciel.
C’est la porte du ciel. Elle était construite sur une faille - Shinéar- dit la Bible, faille qui met en relation, pour les Anciens, deux mondes : celui des hommes et celui des dieux, «Les passerelles de Babylone» ont-elles, chez Tardieu, cette vocation originelle de nous donner à voir «le divin» ? La dernière strophe du poème marque un «retrait» significatif à l’échelle métrique. La parole exubérante et opaque tout au long des trois strophes se retire et le vers libre frôle, dans un decrescendo syllabique, le silence absolu : « sans armes/sinon/le sourire/qui attend, /qui mesure/et dit:/Je sais. /.» (p.973). "

Extrait du livre « Les Inflexions Mystiques de la Poesie Agnostique de Jean Tardieu », par Béchir Ben Aissa, Décembre 2011